Calendário inédito: início antecipado, pausa longa e formato assimétrico
A temporada Serie A 2022-2023 saiu do papel em 24 de junho de 2022, quando a liga divulgou a tabela em um evento com presença apenas de representantes da Lega Serie A. O desenho da competição virou de ponta-cabeça por um motivo simples: a Copa do Mundo do Catar em novembro e dezembro.
Para acomodar o Mundial, a liga italiana começou mais cedo que o normal, no fim de semana de 13 de agosto de 2022. A última rodada antes da parada aconteceu em 13 de novembro, e o campeonato ficou suspenso até 4 de janeiro de 2023. Foi a maior pausa no meio da temporada na história recente da competição.
O formato da tabela seguiu assimétrico, como no ano anterior. Isso significa que o returno não espelhou o turno: quem enfrentou um rival na 5ª rodada, por exemplo, não repetiu o confronto exatamente na 24ª. Essa lógica dá mais liberdade para distribuir os jogos de alto apelo e reduzir choques com datas internacionais e compromissos europeus.
O algoritmo de montagem da tabela trouxe uma série de travas. Entre elas, nada de duelos entre os principais clubes — Milan, Inter, Juventus, Napoli, Lazio, Roma e Fiorentina — nas rodadas de meio de semana. Clássicos locais também ficaram proibidos nesses dias, garantindo vitrine máxima de TV e público. Além disso, equipes que dividem estádio, como Milan e Inter em San Siro, e Roma e Lazio no Olímpico, alternaram mandos para evitar sobrecarga logística nas mesmas datas.
Outro cuidado foi com o clima. Com partidas em pleno agosto, a liga privilegiou horários noturnos e manteve a possibilidade de paradas técnicas em dias de calor intenso, seguindo diretrizes da IFAB. A ideia era proteger atletas e manter o nível técnico mesmo em semanas de verão europeu.
O resultado foi um outono comprimido. Houve várias rodadas no meio de semana e uma maratona de jogos entre agosto e novembro, somando partidas de campeonato, copas nacionais e competições europeias. A fase de grupos da Liga dos Campeões, Liga Europa e Liga Conferência também terminou mais cedo do que o habitual, o que empurrou ainda mais jogos para o calendário de setembro e outubro.
Para os clubes, o planejamento mudou desde a pré-temporada. A preparação encurtou, e os elencos precisaram de rotação intensa logo nas primeiras semanas. Treinadores calibraram cargas físicas para evitar lesões, e departamentos médicos trabalharam com janelas de recuperação mais agressivas. Em dezembro, durante a pausa da Copa, muitos times organizaram miniestágios e amistosos para manter o ritmo competitivo de quem não estava no Catar.
O mercado de transferências também sentiu o impacto. Com partidas valendo desde cedo, reforços foram acelerados para chegar prontos em agosto. Já em janeiro, a janela reabriu pouco antes da retomada das partidas, o que deu aos clubes a chance de ajustar o elenco conforme o desgaste da primeira metade.
Do lado das arquibancadas, o torcedor teve um calendário pouco usual: jogos importantes concentrados antes do inverno, uma longa espera durante o Mundial e a volta do campeonato logo no começo do ano. Para quem acompanha pela TV, a distribuição dos jogos buscou evitar sobreposição de grandes partidas e manter uma narrativa contínua, mesmo com a interrupção obrigatória.
Impacto esportivo, TV e bastidores — e o desfecho com o Napoli campeão
Na prática, as restrições do algoritmo favoreceram a clareza do produto para transmissão: clássicos preservados em fins de semana, grandes confrontos espalhados ao longo da temporada e menos concorrência direta entre jogos de alto apelo. Para as cidades-sede, a alternância de mandos reduziu pressões sobre transporte, segurança e serviços ao redor dos estádios.
A Coppa Italia também ajustou o próprio cronograma, com fases iniciais avançando no fim do verão e oitavas de final ocupando as datas logo após a retomada. A Supercopa Italiana foi reposicionada no calendário para não conflitar com o período da Copa e com a enxurrada de compromissos europeus.
Em campo, a maratona pré-Copa exigiu respostas táticas rápidas. Elencos profundos fizeram diferença, e a gestão de minutos virou tema diário. Treinadores optaram por rotações maiores, testes de jovens e uso criterioso de veteranos nas sequências de três jogos por semana. O trabalho de leitura de dados — minutos percorridos, cargas de aceleração, microlesões — guiou muitas decisões de escalação.
Após a pausa, a dinâmica mudou de novo. Jogadores que foram ao Catar voltaram em ritmos distintos: alguns chegaram voando, outros precisaram de semanas para recuperar o padrão. Clubes com menos convocados, por sua vez, retomaram em janeiro com mais perna e treinos integrados feitos em dezembro.
O cenário abriu espaço para uma história rara na Itália recente: o Napoli quebrou um jejum de 33 anos e levou o título, algo que não acontecia desde 1990. Foi a primeira volta olímpica de um clube fora do eixo Milan–Inter–Juventus desde a Roma em 2001. A equipe de Nápoles sustentou uma vantagem confortável e confirmou a taça em maio de 2023, coroando uma campanha de alto nível, com ataque agressivo e defesa sólida ao longo de todo o calendário reconfigurado.
No fim, a temporada 22–23 serviu de laboratório para a liga: mostrou que o formato assimétrico dá margem para modular picos de audiência e que pausas longas podem ser contornadas com planejamento. Também deixou lições sobre saúde do atleta, logística urbana e a importância de elencos versáteis em anos de calendário comprimido por eventos globais.